Ato 1 – Condenados à forca.
- Sabes, homem, por que o tempo nos devora? Dize-me tu se ainda prevalece o belo nestes dias macambúzios e lamuriados. Dize-me se a corda em teu pescoço encerra a justa punição para ti: homem cujos defeitos são apenas reflexos. Sabe, se tu vives na caverna de Platão, és, de fato, reflexo e ilusão. Engana-te a ti mesmo, quando te acovardas e foges da vida, visto que és ainda repleto de vitalidade, por ora repreendida.
- Conheces o mito dos deuses, velho? Crono nos devora por ter-nos como ameaças. Corrompemo-nos aos poucos, então, por não termos a faculdade de vencer o tempo. Lembra-te que Crono castrou Urano, o próprio pai. Mas sentia-se ameaçado por servir-se de exemplo para os filhos. Estes, decerto, iriam castrá-lo a fim de tomar-lhe o poder. Receoso, Crono decide devorar os próprios procedentes, pranteados por Réia. Crono, que é o tempo, eterno vive; nós, filhos deste deus, somos devorados: nascemos mediante os espermas do tempo; finitos, morremos.
- E quanto ao belo?
- Ora, velho, o belo é justamente a ciência do contingente. Somos, tu e eu, belos pelas nossas finitudes. É o incompleto, este ser, que ainda nos mantêm. Não vês que estamos sempre na disposição da busca do perfeito e do universal. Mas atenta-te para o seguinte: o belo, ao qual me refiro, não é moral, mas poético.
Ó, homem! Não pretendo tirar lição disso. Sei que tu não és um ignóbil moralista, mas tão-somente um amante desta poesia incompleta: a vida! E, por isso, agora entendo o motivo de tua covardia que em difíceis momentos tiveras. Momentos estes que te trouxeram até aqui. Agora, o carrasco retira-lhe o banco que te sustentas. Eis o fim de tua poesia, excelente homem!
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