quinta-feira, 10 de abril de 2008

Meu antigo bar de blues

Trabalhei dia e noite em uma baiúca incômoda. No seio da cidade, lá eu estava. Cigarro que sempre pendia na boca, barba por fazer, pano umedecido nos ombros - sempre havia mesas para assear. Um cliente, amigo velho. Para este, eu oferecia a cachaça habitual. Nunca recusei ouvir as filosofias cujos fundamentos, rotineiramente, se perdiam em meio à inebriante história de chavelho. Somente os mal(a)-amados tinham a disposição de se tornarem minha clientela.

As mulheres, para mim, inexistiam. Nem prostitutas embevecidas com o impudor visitavam-me naquela caverna de bêbados tristes. Nem se eu as convidasse. Mas Tom Jones me alegrava com seu blues mesclado. Arriscava eu, às vezes, cantarolar enquanto recolhia os cacos de vidros estraçoados, resíduos de uma guerra ora interna, ora entre a própria clientela.

Volta e meia, um homem alto e magro, com um típico bigodinho fino e um paletó listrado, abordava-me no balcão.

- Carece de vender este tugúrio, polaco? Proposta como a minha, tenha certeza, não haverá!

No entanto, por mais que meu casebre desfalecesse gradualmente, nem a mais alta quantia e as mais belas ninfetas me tirariam daquele lugar forçosamente herdado. Lá, eu não sentia o tempo, e nem pretendia analisá-lo como um conceito a priori. Lá, eu não tinha o tempo. A cronologia de uma boa vida consiste em viver sempre novamente no Kairós. Não me tornei, em meu ofício, filho de Cronos, pois não almejava eu ser devorado pelo senhor do tempo.

Mas a verdade era que a totalidade de meu esforço culminou em um fracasso desesperador. O bar caiu. Os cupins o devoraram. Meus vinis de blues riscaram. Minha adega ruborizou-se com o tom dos próprios vinhos. Minhas lágrimas insistiam em lavar meu rosto empoeirado.

Desolado, ainda sobrevivi. Por fim, resolvi vender aquele acanhado espaço para o teimoso homem dos bigodes pontiagudos. O desgracido fez miséria! Arquitetou um prostíbulo, contratou putas aclamadas, aumentou o recinto...

Tornei-me sócio, afinal não pretendia deixar aquela aresta. Hoje, vivo em orgias, inebrio-me nas mais belas e carnudas donzelas, tequilas, nas quinas de sofás vermelhos e nos candelabros sugestivos. O melhor: Tom Jones ainda é minha trilha sonora, mas, agora, trauteio em conjunto.

Um comentário:

Rita Medusa disse...

adoro este conto Ricardo,legal visitar teu blog
bjo