quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Dona Morgana

Os velhos, que observavam a Dona Morgana, suscitaram um caloroso diálogo a respeito das atitudes anômalas da velha. A senhora balançava-se sobre o assento suspendido por duas cordas presas a uma árvore do bosque. Tinha um constante sorriso no rosto e uma gargalhada lancinante.
- Ela irá levar um belo de um tombo! – disse o gordo, cujos olhos eram simetricamente vesgos.
- Ó, mas que caia! – acrescentou o magro, gesticulando as mãos e ajeitando os óculos com lentes de fundo de garrafa – Terei o prazer em socorrê-la.
- Olhe! A velha impulsiona-se com mais vigor. Será que ela tem problemas mentais?
- Ela é uma louca! Uma velha como ela não pode se aventurar dessa forma em um balouço. Ah, que gata insana!
- Certamente! Retirem-na de lá! – gritou o gordo, levantando-se.

Algumas pessoas passavam pelo local, mas nenhuma delas atendeu ao pedido do velho vesgo. Aflito, o gordo correu em direção à Dona Morgana. Aproximou-se da árvore em que ela se divertia e disse:

- Ouça, Dona! É necessário que a senhora pare de se movimentar assim sobre este balouço. É perigoso para uma senhora idosa.

Morgana nem lhe deu ouvidos, e continuou a balançar-se. O som de suas gargalhadas rivalizava com o barulho do galho que sustentava o balouço. O gordo desistiu de convencê-la a parar de balançar-se e voltou para o banco.

- Maldita velha que não me ouve! – disse ele ao magro. – Vê, ela nem se importa com o que os outros pensam.
- Ela deve achar que os outros são o inferno. Ah... – suspirou vigorosamente o magro – Mas ela é o paraíso.

Nesse momento, a velha aparentou-se cansada e parou de movimentar o balouço. Tirou o sapato de cetim e pôs-se a contemplar seus pés. Ela achava engraçado o movimento de seus dedos. Ria intensamente; divertia-se sozinha.

- Coitadinha. - continuou o velho de óculos. – Tão bela e tão louca!
- É uma pobre infeliz! – disse o vesgo em tom exclamativo. Os velhos estavam perplexos e decididos: “a velha é louca!”, pensavam. “Mas quem poderia deixar uma louca sozinha no bosque?” Isso eles não conseguiam entender. Subitamente, a velha se levantou e caminhou até eles. Os olhos esbugalhados dos homens acompanharam os passos dançantes de Dona Morgana.

- Quer dançar, belo homem? – perguntou ela ao tímido magro, que, desajeitado, abriu um sorriso e ameaçou se levantar do banco. Foi impedido pelo gordo.
- Deixe de ser tolo! Não há música sendo executada por aqui. Por um acaso você é louco como ela?
- Estou ficando louco por ela... – murmurou o magro.

O gordo estava horrorizado, e, dessa forma, irritou-se com o velho de óculos. Os dois discutiram. Foram interrompidos pela velha, que agora se dirigia ao gordo.

- E quanto a você, nobre homem. Quer dançar comigo?

O velho ficou estático. Queria parecer durão, mas, ao contrário, sentiu-se lisonjeado com a pergunta de Dona Morgana. Entretanto, era muito orgulhoso para dançar com uma velha louca. Aliás, que dança? Não havia música. Ele olhou para ela e respondeu:

- Dona, eu sou normal. Portanto, não danço com pessoas como você.

A velha ria. Aquelas palavras não a atingiram negativamente.

- Por que o senhor me olha, mas não me vê? – perguntou inocentemente a velha.

O velho vesgo se revoltou, muitos insultos foram tecidos à velha, ao passo que o magro caia na gargalhada. Os homens voltaram a discutir. Alguns murros e socos foram ensaiados. As pessoas que passeavam pelo bosque logo pensavam: “Ah, que tristeza! Dois velhos loucos brigando publicamente”. A velha bailava, os velhos brigavam. A velha se divertia, os velhos se golpeavam. Afinal, quem é normal e quem é louco?

Após uma trégua, os velhos puseram-se a contemplar, novamente, a Dona Morgana. “Por que me olha, mas não me vê?” Ah, essa pergunta martelou a cabeça do velho gordo, pois a velha estava feliz, sentia-se feliz. O infeliz era ele, que brigara e se importara com o modo de ser de outra pessoa. “Será que a velha não estava zombando de minha vesguice?”, perguntou-se. “Oh, como sou normal!”, pensou, enfim.

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu fiquei querendo mais...