quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

A ruazinha do Batel

Laboriosas foram as tentativas de atravessar aquela acanhada rua de Curitiba. Tomada por um ambiente nubiloso e sorumbático, a ruazinha de pedras esbagoadas só poderia ser resguardada na memória no formato de quadrinhos consternados. Árvores negras e senhoritas de botas ladeavam sua extensão, enquanto a gaita do bigodudo entoava as mais melancólicas canções regionais.

Não irei me demorar nas perturbações caóticas que lá ocorriam. Mas difícil seria esquecer que, logo nas primeiras galgadas, dois homens santos cruzavam a longas passadas a via em busca de um menino despido. Queriam eles converter o pobre piá? As minhas náuseas não me fizeram cessar os passos, mas não me impediram de escutar: “ache-o e leve-o para Igreja, padre José!”. O que, afinal, fariam eles?

Na esquina subseqüente, uma doce voz invadiu minha mente, de um modo que atraíra a minha atenção. De soslaio, notei uma bela donzela que trajava um sobretudo preto. Maldito pathos que me conduzira até ela. “Para ti, belo guri, ofereço meu rabo. Não precisarás pagar nada além do pão e do leite”. Petulantemente, desabotoou o sobretudo. Desgraçada, tinha o rabo na frente, e era maior que o meu.

Sem olhar para trás, corri feito louco até que as brumas me ocultassem. Ofegante, olhei com dificuldade para o homem que conservava um atiçador de fogo nas mãos. “Mato-te, seu existencialista de merda!”, vociferou o homem. Percebi que estas palavras foram proferidas a mim ao sentir meu braço inflamado por ardentes chamas. Diabos de cães, que foram soltos pelo agressor, correram em minha direção, mostrando-me os dentes afiados. Abocanharam minhas pernas, e o homem injuriava-me com suas adjetivações. Com a força de mil cavalos, desferi inúmeros socos nos animais. Cheguei a machucá-los, mas eles me arrancaram pedaços.

Os ventos frios e uivantes carregaram-me até o final da ruazinha. A última quadra ostentava o Castelo do Batel. Preservava-se lá um polaco. “O verde ou o branco?”, perguntou-me o homem. O verde iria satirizar a minha dor, o branco me derrubaria de vez. Emudeci. “Responda-me, seu filho da puta de viciado! Vais fumar ou vais cheirar?”, insistiu. Desesperei-me na medida em que eu vasculhava meus bolsos rasgados pelos diabos caninos. “Suma daqui se não tens dinheiro!”.

E sumi. Recruzar aquela rua fez-me chegar sem braços e sem orelhas em minha residência. Perdi alguns dentes e minha virilidade. “Maldito rabo!”, pensei. Mas nada foi tão estúpido do que perder a chance de dar um tapa nos produtos do polaco.

Ricardo Passos