O sepulcro de William era branco como a neve que ladeava o cemitério. Os galhos das árvores estavam nus e cristalizados. As lágrimas que escorriam no rosto de Anne congelavam antes de tocarem o chão. O enterro de seu namorado não poderia ser diferente; o frio e o branco tomaram conta daquele melancólico dia.
Semanas antes, Anne escrevera uma carta que teria um impacto muito forte sobre o coração de William. Era a despedida. Anne estava pronta para partir – iria voltar ao Brasil. Londres não poderia suportar tamanha perca. A brasileira deixaria saudades; sobretudo a William, que a conhecera em uma festa na embaixada brasileira em Londres - ele era o embaixador.
Naquela festa o amor brotava na mesma intensidade em que a neve caia. Os olhos azuis e o nariz enrubescido de Anne Scaevola despertaram em William uma admiração que transcendia a imensidão do céu. Houve reciprocidade. Ali emergia o casal mais belo da cidade. As revistas, os jornais e vários outros meios comunicativos apontavam o casal como a perfeita mescla entre beleza, sensualidade e elegância. A brasileira vivia seu momento “conto de fadas”.
Anne havia deixado a família no Brasil, a fim de tentar impulsionar sua vida profissional de forma independente. William a ajudou a obter um cargo importante em um ilustre jornal da cidade. A vida de Anne parecia estabelecida. Tinha uma bela casa e um enorme jardim. Recebia flores, cartas de amor e homenagens televisivas. William não se cansava de fazer com que Anne Scaevola se sentisse uma princesa.
Numa típica noite fria, Anne recebeu a notícia sobre a morte de seu pai. Rapidamente, resolveu ir para o Brasil velar o homem que a pegou no colo e amou-a incomensuravelmente. Já no país onde nasceu, Scaevola pranteava ao segurar firmemente a mão de seu pai e ao acariciar o pálido rosto sem vida. A informação que obteve é que seu pai foi morto a tiros por indivíduos mercenários que comandam os caças níqueis brasileiros. A família de Anne passava por uma crise financeira. Seu pai fora um jogador viciado que perdera seus bens no jogo, e, também, a vida em função do vício.
Anne escrevia várias cartas a William, explicando sua situação. Voltou a Londres, vendeu sua casa e pediu demissão. Não poderia mais ficar com William, pois precisava cuidar de sua mãe e de seu irmão mais novo no Brasil. Escreveu mais uma carta: "a despedida".
William, como estava previsto, não aceitou aquele fim, já anunciado pelos jornais londrinos. Resolveu, por um impulso apaixonado, ir morar no Brasil e ajudar a família de Anne a se restabelecer, abandonando seu cargo de embaixador. Os primeiros dias foram tranqüilos. Eles construíram uma nova casa, em Londrina – cidade escolhida por Anne. O amor entre eles era vigoroso, desmedido. Eles estavam financeiramente bem com a presença de William. Mas o céu se fechou e o inferno enviou os mercenários que já estavam a par de tudo. Estes resolveram cobrar o que o morto devia. A morte do pai de Anne não foi o fim. Relutantemente, William tentou vingar a perca paterna de sua namorada. Eram os mercenários contra o apaixonado ex-embaixador. Um tiro preciso furou a testa de William. Os mercenários fugiram novamente, após retirar bens valiosos de Anne.
O corpo de William foi levado a Londres para que fosse dignamente sepultado. Os meios de comunicação anunciaram a triste historia de Anne e William. Discriminaram o Brasil, estampando notícias de que esse país é predominado pela corrupção e pela corja de bandidos.
Com a perca dos homens que mais a amaram, Anne entrou em crise psicológica: ficou louca. Escrevia cartas que eram enviadas à antiga casa de William, em Londres. Através das cartas, Anne dizia que estava quase pronta para voltar a ele, que a família estava recuperando as forças e o amor entre eles iria superar todos os obstáculos. Ela enviava cartas a um fantasma. Na última carta, antes de cortar os pulsos, escrevera: “O nosso amor é o começo, projeta um futuro iluminado e busca transcender o espaço e o tempo. Somos aquilo que nos une, invisíveis e indivisíveis. Somos o perfeito erro do passado”.
FIM